quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tropicália e o País Utopical


O Tropicalismo foi mais do que um movimento artístico, ele transpôs as barreiras existentes entre arte, política e sociedade e tentou implantar um sentimento pluricultural na construção de uma nova identidade nacional, que transformaria os cidadãos brasileiros pessoas donas de si, e prontas para se infiltrarem no mundo.
Em uma época em que a ditadura militar calava qualquer discurso que fosse contra os ideais da ordem vigente, foi preciso muita criatividade e jogo de cintura para tirar o Brasil e os brasileiros do blue constante.

Com o chamado Golpe Militar o povo foi vestido de blue e seguia alienado pela doce ilusão de um   nacionalismo exacerbado e de um progresso maquilado pelos grandes meios de massa – surgia, então, a TV como ferramente de controle da população. É nesse ambiente de repressão e conformismo que aparece a trupe tropicalista, vestida multicolorida e armada de inesgotáveis experimentações musicais e visuais e de letras genialmente elaboradas para burlar a censura.





Wilson Simonal, Nara Leão e Chico Buarque
O ano de 1967 é geralmente utilizado como o início da
Tropicália, quando aconteceram a exposição homônima de Hélio Oiticica no Museu de Arte Moderna (MAM) e o Festival de Música Popular Brasileira de 67, festival que viria a apresentar e consolidar a carreira de músicos ainda muito amados e estudados pelas jovens esquerdas brasileiras. Artistas como Caetano Veloso, Tom Zé, Chico Buarque, Wilson Simonal, Gilberto Gil, Os Mutantes, Gal Costa, Jards Macalé e Rogério Duprat fizeram parte da vanguarda de músicos que tinha o objetivo comum de transformar o futuro do Brasil.

Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil

O momento era singular e a individualidade era amplamente incentivada. Nada podia ser misturado, a junção de duas coisas distintas era um pavor para os dirigentes do país, que pensavam que a fusão poderia desestabilizar a ordem. Que dirigente quer um povo unido? Pode-se dizer que no Brasil pós-64 a regra era: cada um no seu quadrado.

Porém a onda tropicalista não demorou a se implantar em todos os meios, e misturar tudo. Se teve algo que os articuladores da ditadura não esperavam era que o poder das gravadoras nas décadas de 60 e 70 poderiam ajudar na divulgação da perigosa tropicália. O mercado fonográfico, à época, estava a todo o vapor com recordes de vendas de discos, jamais vistos no país. A Bossa Nova e a Jovem Guarda abriram espaço para que os Tropicalistas pudessem mostrar a sua nova forma de enxegar um Brasil. Já bastavam os toques suaves do violão à beira da praia de Ipanema e os Iê-Iê-Iês nas ruas movimentadas da crescente São Paulo, os novos baianos chegavam e queriam mais.

Torquato Neto, Gilberto Gil e Nana Caymmi
na passeata dos 100 mil
68 foi um ano sem precedentes. Estudantes tomavam as ruas de Paris, 100 mil pessoas tomavam as ruas do Rio de Janeiro e os tropicalistas lançavam o disco Tropicália ou Panis et Circenses, que juntou a vanguarda artística brasileira e marcou o divisor de águas do Brasil pré e pós-tropicália. Era o ambiente perfeito para a revolução, tanto que muitos ainda acreditam que 68 foi o ano que não terminou. Foi também o ano da instauração do AI-5.

Os Mutantes


Foi também no ano de 68, no Festival de Música Popular Brasileira, o memorável discurso de Caetano, que enfrentava e questionava os espectadores - estudantes de classe média de esquerda - que o vaiavam enquanto ele distorcia sua guitarra na canção "É Proibido Proibir", foi também o símbolo do distanciamento da tropicália com a esquerda engajada:

“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de
aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir
no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote
inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente
nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de
assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com
a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e faze‑la explodir foi Gilberto
Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra
entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém.
Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês
são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês
não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker!
Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a
ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. O
Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de Charleston. Sabem o que foi?
Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por
ser americana. Mas eu e Gil já abrimos o caminho. O que é que vocês querem? Eu vim aqui
para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver
com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil está comigo, para nós acabarmos
com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma
vez. Nós só entramos no festival pra isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que
desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu
só queria dizer isso, baby. Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as
estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem... se vocês, em política, forem como são em
estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E
quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto! Fora do tom,
sem melodia. Como é júri? Não acertaram? Qualificaram a melodia de Gilberto Gil? Ficaram
por fora. Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver. Chega!”

Discurso de Caetano

Artistas presos por porte de drogas e de ideias, cidadãos apanhando nos depósitos escuros e fatigantes, nas rua e nas suas próprias salas de estar, esse era o contexto em que a tropicália foi instaurada. Em meio a um caos assegurado pela repressão policial e pela vigilância televisiva, surge um pessoal multicolorido e munido de infinitos sonhos. O Tropicalismo é ainda hoje um sentimento. Ele é mais que arte. Mais que política. Mais que ideologia. Ele é sim um sentimento, um sentimento ímpar que pode ser traduzido em uma palavra que só existe por aqui. O Tropicalismo é uma eterna saudade, e sendo ele um sentimento, nunca poderá ser assassinado. Como diziam os tropicalistas: É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.



RECOMENDAÇÕES DE DISCOS

Tropicália ou Panis et Circenses - Vários Artistas (1968)



A Banda Tropicalista do Duprat - Rogério Duprat (1968)



Gal - Gal Costa (1969)













Caetano Veloso - Caetano Veloso (1967)



Os Mutantes - Os Mutantes (1968)



Tom Zé - Tom Zé (1968)

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